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sexta-feira, 29 de novembro de 2013

DPOC SUFOCA OS PULMÕES E O RESTO DO CORPO



Conhecida como grande inimiga do tórax, a doença pulmonar obstrutiva crônica também tira o fôlego do coração, cérebro, ossos e músculos. Ainda bem que dá para controlá-la
Tosse, produção de muito catarro e falta de ar são os sinais mais comuns do surgimento desse problema incurável, a quarta causa de morte ao redor do globo, segundo a Organização Mundial da Saúde. Até por esses sintomas, a enfermidade costuma ser associada apenas ao comprometimento dos nossos órgãos da respiração. Mas pesquisadores da renomada Gold, sigla em inglês para Iniciativa Global para a Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica, destacaram em seu mais recente guia de recomendações o potencial efeito negativo do transtorno em diversas regiões do organismo.

"A fumaça do cigarro e outros gases nocivos podem provocar, ao longo dos anos, uma inflamação crônica e danosa pelos pulmões, característica típica da DPOC", ensina José Jardim, pneumologista da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e membro do comitê internacional da Gold. "As substâncias inflamatórias despejadas pelos pulmões afetados acabam caindo na circulação sanguínea. É o que chamamos de teoria do derramamento", diz o pneumologista Roberto Stirbulov, presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia. Ao penetrar nos vasos, as moléculas provenientes do trato respiratório ganham acesso ao corpo todo, ocasionando estragos por onde passam.

"O principal impacto disso é no sistema cardiovascular", avisa Stirbulov. Em um levantamento da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, foi observado que aproximadamente 60% dos voluntários com DPOC possuíam alguma deformação nas coronárias, as principais artérias que irrigam o coração - em 16% dos participantes, esses defeitos eram graves.

O manual da Gold informa: até o diabete está ligado à protagonista desta reportagem. "Os mediadores inflamatórios da doença pulmonar obstrutiva crônica interfeririam no trabalho da insulina, o hormônio que coloca a glicose dentro das células", argumenta José Jardim. Embora essa explicação ainda seja controversa, o fato é que a DPOC limita a vida de suas vítimas. "O paciente tende a se locomover menos por falta de fôlego, o que contribui para o ganho de peso. E sabemos que tanto a inatividade física como a obesidade estão associadas ao desenvolvimento do diabete", alerta César Jardim, cardiologista responsável pelo pronto-socorro do Hospital do Coração, na capital paulista.

Essas restrições no cotidiano afetam inclusive a mente. "Já se sabe que a piora na qualidade de vida dos indivíduos com o problema pode desencadear a depressão", atesta Stirbulov. Curiosamente, há evidências de que os subprodutos inflamatórios da DPOC também comprometeriam o cérebro. "E isso, por si, talvez acarrete em tristeza profunda", hipotetiza José Jardim.

Os danos proporcionados por essa chateação não vêm só das inflamações. Como a respiração fica abalada, começa a faltar O² no sangue, processo intitulado de hipoxemia. "A carência de oxigênio acomete uma série de funções corporais", afirma Oliver Nascimento, pneumologista da Unifesp. "Na cabeça, ela prejudica o raciocínio. Nos músculos, diminui a resistência física. E por aí vai", enumera.

Se tal situação não é contornada, o organismo eleva, no sangue, a concentração de hemácias, unidades que transportam oxigênio, para carregar essa molécula o mais rapidamente possível a diversos tecidos. A questão é que o excesso dessas células na circulação deixa o líquido vermelho viscoso e, logo, propenso a formar coágulos que catapultam o risco de derrames e infartos.

Um dos maiores desafios para vencer a DPOC está na dificuldade de detectá-la em um estágio precoce. Isso porque aqueles sintomas típicos - tosse, falta de ar e expectoração... - são muitas vezes vistos como uma resposta normal do corpo ao tabagismo. "Já a fadiga, aos olhos dos pacientes, costuma ser associada ao processo natural de envelhecimento", analisa José Jardim. Com isso, o distúrbio avança sem resistência por anos a fio. Daí a importância de se submeter a checkups regulares e ficar atento aos menores indícios.

Entretanto, não é só por isso que os sintomas ganharam destaque no guia de recomendações da Gold. Explica-se: antes, a gravidade do mal era traçada com base somente em um exame denominado espirometria. Ou seja, o indivíduo assoprava com toda a força em um aparelho e, dependendo do fluxo de ar, o pneumologista definia se o problema era leve, moderado, severo ou muito severo. Hoje em dia, essa avaliação é levada em conta, mas junto com ela o médico considera as sensações do portador de DPOC. "Se dois sujeitos apresentam a mesma função pulmonar, porém só um tosse e se cansa demais, esse será classificado como um caso mais sério e, logo, receberá tratamento mais intenso", exemplifica Nascimento.

"A nova classificação ainda engloba o risco de exacerbações, espécie de crises agudas e gravíssimas das manifestações da doença", acrescenta Jorgen Vestbo, pesquisador da Universidade de Manchester, na Inglaterra, e um dos líderes da Gold. Se a pessoa sofre com esses ataques súbitos duas ou mais vezes por ano, ela é tratada com todo o cuidado do mundo. Afinal, além da piora na qualidade de vida, nos dias seguintes a eles sobe consideravelmente o risco de disfunções cardiovasculares. Por isso, quem padece com a moléstia precisa tomar cuidado com infecções respiratórias, deflagradoras das exacerbações. "Independentemente da idade, eles devem ser vacinados contra gripe e pneumonia", reitera Oliver Nascimento.

Para sufocar a DPOC

O tratamento basicamente combate os sintomas do transtorno. Os remédios mais usados são os broncodilatadores inalatórios de longa duração, que facilitam a entrada de oxigênio nos pulmões, aplacando os incômodos. Quando a situação é grave, os médicos também têm à sua disposição a droga roflumilaste. "Trata-se de um antiinflamatório específico para a DPOC que se mostrou eficaz em pesquisas recentes contra exacerbações e a piora acentuada da função pulmonar", assegura Nascimento. Por agir diretamente no processo inflamatório, será que a droga debelaria as consequências fora dos órgãos da respiração? "Talvez sim, contudo não dá para cravar muita coisa com as evidências que temos", pondera José Jardim. "No futuro, responderemos isso, assim como possivelmente teremos um biomarcador que identifique o problema bem no início com um simples exame de sangue e, por que não, uma droga ou procedimento que reconstitua os pulmões", especula.

Para manter o fôlego, nem precisamos falar da importância de largar o cigarro. O que precisa ser reforçado é o papel dos exercícios na reabilitação. "Quanto mais tempo inativo, piores as perspectivas do paciente", ressalta Celso Fernandes de Carvalho, educador físico e fisioterapeuta da Universidade de São Paulo. "A atividade física incrementa a eficiência da respiração e fortalece a musculatura, o que traz uma melhora significativa no dia a dia", esclarece (veja na reportagem detalhes sobre os benefícios do exercício contra a doença). A DPOC não tem cura, mas, ficando de olho nos seus sinais e tomando os devidos cuidados, dá para impedir que ela tire a resistência do seu corpo inteiro.

Anos/maço O tempo de convívio com o tabaco e a quantidade de cigarro tragada diariamente afetam o risco de ter DPOC. Por isso, criou-se a conta abaixo. Com ela, entende-se que quem fuma um maço todo dia há uma década se prejudica tanto quanto quem lança mão de dois maços a cada 24 horas por cinco anos. A DPOC tende a dar as caras após 20 anos/maço, resultado de quem consumiu um maço por dia ao longo de 20 anos ou dois maços diariamente durante dez anos, por exemplo.

Maço por dia x anos de fumo = total anos/maço

Outros causadores Embora o tabagismo seja o principal vilão por trás da DPOC, ele não é o único. Inalar fumaça de lenha ou de produtos tóxicos também deflagra o quadro. Especula-se que a poluição atmosférica seja outra razão para o aparecimento dessa perigosa encrenca.

5 perguntas fundamentais

Ao responder "sim" para ao menos três das próximas questões, vale a pena consultar um pneumologista

1 Você tosse diariamente?
2 Tem catarro pela manhã?
3 Cansa-se mais rapidamente do que pessoas da sua idade?
4 Possui mais de 40 anos?
5 É ou já foi fumante?

DPOC em números

Dos brasileiros com a doença, só 12,5% já receberam diagnóstico

Acredite: a DPOC será a terceira causa de morte da OMS até 2020

15,8% de fumantes e ex-fumantes acima dos 40 anos terão esse problema

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